Misericórdia e justiça: dois atributos de Deus

21/02/2024

A Bíblia exalta, a todo o momento, dois aspectos da personalidade de Deus para nós. Assim como está claro que Deus é misericordioso, também há várias passagens que evidenciam o caráter justo de Deus. Para muitos, é difícil conceber como esses dois aspectos podem coexistir em uma mesma pessoa. Afinal, eles parecem ser antagônicos. Por exemplo, em um julgamento, após um réu ser condenado, a defesa pode entrar com um pedido de clemência (misericórdia), com o intuito de atenuar ou até mesmo anular a pena proferida. Ora, se a justiça e a misericórdia não parecessem estar em oposição, não se anulariam; antes, uma reforçaria a outra. Como, então, pode Deus, em sua perfeição, possuir estes dois aspectos "conflitantes" em si? Por ser perfeito, não deveria ele ser plenamente harmonioso em sua personalidade?

Esta confusão de percepção ocorre porque a justiça, muitas vezes, requer a aplicação de punições contra a prática da injustiça, e a punição, vista de forma isolada das razões que levam à condenação, não é boa. Então, a raiz do conflito ocorre porque, ao olharmos a justiça divina, esquecendo dos motivos pelos quais ela é aplicada, temos a impressão de que Deus é perverso quando, na verdade, ele é justo. Outro fato que ressalta ainda mais isto é que, sob o aspecto bíblico, nós, humanos, estamos "do lado errado" da história. Então, ao comparecermos diante do tribunal divino, seremos culpados pelos nossos erros, e para não lidar com esta incômoda conclusão, preferimos adotar o conceito de que Deus é apenas misericordioso, nos esquecendo deliberadamente da justiça de Deus e de quem somos aos seus olhos: pessoas pecadoras e más, tal como afirmado no Antigo Testamento, tanto em Salmos:

Diz o tolo em seu coração: "Deus não existe". Corromperam-se e cometeram atos detestáveis; não há ninguém que faça o bem. O Senhor olha dos céus para os filhos dos homens, para ver se há alguém que tenha entendimento, alguém que busque a Deus. Todos se desviaram, igualmente se corromperam; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer. (Sl 14: 1-3)

como em Eclesiastes:

Todavia, não há um só justo na terra, ninguém que pratique o bem e nunca peque. (Ec 7: 20)

e muito bem sintetizado pelo apóstolo Paulo, na carta aos Romanos:

Como está escrito: "Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer". (Rm 3: 10-12)

e portanto, sujeitas ao peso da mão do Justo Juiz e condenadas à eterna separação de Deus,

Sendo, assim, culpados e merecedores da condenação eterna, só nos resta apelar, ao justo juiz, por clemência e misericórdia. No entanto, se o justo juiz deliberasse em favor do réu condenado, que nada tem a oferecer, sem o pagamento de qualquer preço pelos delitos cometidos, Ele não seria mais justo e passaria a ser cúmplice do pecado, e sendo assim, destituído de sua própria natureza, que é a justiça. Isto, claramente, é uma incoerência. Como, então, resolver um dilema de um Deus justo E misericordioso que julga um réu culpado?

A resposta para este dilema está em Cristo, que é a intercessão desses dois atributos de Deus. Ele, que é o próprio Deus e viveu entre nós, cumpriu toda a Lei infringida pelos homens, sendo, portanto, justo, e por isso, apenas Ele tem condições de comparecer diante do Juiz, e na sua imensurável misericórdia, oferecer deliberadamente os méritos de seu sacrifício em prol da nossa liberdade. E é exatamente isto o que ele prometeu que faria:

Da mesma forma como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crer tenha a vida eterna. (Jo 3 14-15)

Como fica evidente a partir desta passagem, o Senhor condicionou esta oferta à fé nEle, a qual se materializa não apenas pela crença intelectual de que Jesus é o Messias, como muitos pensam, mas por uma profunda incorporação e adoção desta verdade, a qual se reflete no abandono completo dos nossos ideais de vida e na adoção de um modo de viver que seja bom e agradável a Deus.

Contudo, em relação a isto, a Bíblia relata que o homem, na sua falibilidade, pode, no máximo, chegar à consciência de sua condição pecaminosa e passibilidade da condenação por Deus sem, contudo, conseguir se regenerar a ponto de transformar por completo a sua própria natureza. Como resolver este segundo impasse? A resposta, mais uma vez, está na Bíblia, desta vez, na carta de Paulo aos Filipenses:

Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha presença, mas agora muito mais na minha ausência, ponham em prática a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem produz em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Fp 2: 12-13)

Podemos concluir, portanto, que é Deus quem capacita os cristãos a ter fé e a querer e realizar o que é bom, de acordo com a vontade dele, e sendo Ele soberano sobre a vida dos cristãos e poderoso para transformar seus corações e mentes para que estejam em conformidade com Sua vontade.

Entregue o seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá. (Sl 37:5)