Guardei no coração a sua palavra

19/12/2023

Hoje vou falar sobre um versículo que, digamos, dentre todos, é o meu preferido. Eu não serei tão enfático com esta afirmação pois imagino que, para fazê-la, seria necessária uma profunda análise de todo o conteúdo bíblico para eu poder, após isso, dar o veredito absoluto. Contudo, eu sei que ele é especial para mim pois, muitas vezes, me pego meditando nele, e quando faço isso, meu coração derrete de amor e admiração pelo Deus Todo-Poderoso: me refiro ao versículo 11 do Salmo 119, que assim diz:

"Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti. (Sl 119:11)"

Mas o que há de tão sublime nesta simples frase que a torna tão especial? Para responder a esta pergunta, precisamos entender um pouco da história de Saul, rei de Israel, e do contexto histórico vivido pela nação naqueles dias, quando Davi foi exaltado por Deus.

Saul, filho de Quis e da tribo de Benjamim, foi o primeiro rei de Israel escolhido quando o povo clamou por um líder monárquico. A Bíblia o descreve como um jovem camponês de Gibeá que se destacava por sua imponência física. Naquela época, o profeta Samuel liderava Israel, mas o povo, enfrentando ameaças de nações vizinhas, especialmente dos filisteus, ansiava por um guerreiro que os protegesse, e ao pedirem um rei, desconsideraram a liderança divina de Samuel, querendo alguém que correspondesse às suas expectativas humanas. Então Deus instruiu Samuel a conceder um rei ao povo, embora este não estivesse dentro do tempo adequado para tal. Saul foi, então, ungido como rei, satisfazendo as expectativas do povo, e ao demonstrar suas habilidades como líder e guerreiro ao enfrentar o rei de Amom, Naás, e destruir os amonitas, conquistou a admiração dos israelitas em Gilgal. O rei Saul teve de lutar contra vários inimigos do povo de Deus praticamente durante todo seu reinado, e o principal deles, sem dúvida, era os filisteus, e foi contra este inimigo que os desígnios do coração de Saul se manifestaram, expondo a rebeldia e a iniquidade de seu coração.

Os prelúdios de um desses embates contra os filisteus são narrados na Bíblia, em 1ª Samuel, que assim diz:

Saul tinha trinta anos de idade quando começou a reinar, e reinou sobre Israel quarenta e dois anos. Saul escolheu três mil homens de Israel; dois mil ficaram com ele em Micmás e nos montes de Betel, e mil ficaram com Jônatas em Gibeá de Benjamim. O restante dos homens ele mandou de volta para suas tendas. Jônatas atacou os destacamentos dos filisteus em Gibeá, e os filisteus foram informados disso. Então Saul mandou tocar a trombeta por todo o país dizendo: "Que os hebreus fiquem sabendo disto!" E todo Israel ouviu a notícia de que Saul tinha atacado o destacamento dos filisteus atraindo o ódio dos filisteus sobre Israel. Então os homens foram convocados para se unirem a Saul em Gilgal. Os filisteus reuniram-se para lutar contra Israel, com três mil carros de guerra, seis mil condutores de carros e tantos soldados quanto a areia da praia. Eles foram a Micmás, a leste de Bete-Áven e lá acamparam. Quando os soldados de Israel viram que a situação era difícil e que seu exército estava sendo muito pressionado, esconderam-se em cavernas e buracos, entre as rochas e em poços e cisternas. Alguns hebreus até atravessaram o Jordão para chegar à terra de Gade e de Gileade. Saul ficou em Gilgal, e os soldados que estavam com ele tremiam de medo. Ele esperou sete dias, o prazo estabelecido por Samuel; mas este não chegou a Gilgal, e os soldados de Saul começaram a se dispersar. Então ele ordenou: "Tragam-me o holocausto e os sacrifícios de comunhão". Saul ofereceu então o holocausto, e quando ele terminou de oferecê-lo, Samuel chegou, e Saul foi saudá-lo. E perguntou-lhe Samuel: "O que você fez?" Saul respondeu: "Quando vi que os soldados estavam se dispersando e que você não tinha chegado no prazo estabelecido e que os filisteus estavam reunidos em Micmás, pensei: 'Agora, os filisteus me atacarão em Gilgal, e eu não busquei o Senhor'. Por isso senti-me obrigado a oferecer o holocausto". Disse Samuel: "Você agiu como tolo, desobedecendo ao mandamento que o Senhor seu Deus lhe deu; se você tivesse obedecido, ele teria estabelecido para sempre o seu reinado sobre Israel. (1 Sm 13: 1-13)

Aparentemente, Saul não fez nada de errado. Aos olhos desatentos, ele era um rei zeloso que, preocupado com a segurança de seu reino, atacou uma nação inimiga e, para garantir a bênção de Senhor, sacrificou holocaustos a Deus. Que mal há nisso tudo?

O problema neste episódio não está nas ações em si, mas na motivação por trás de tudo isto. Ao agir conforme a narrativa, em momento algum Saul buscou a orientação de Deus, e suas decisões militares foram insensatas, baseadas apenas na análise humana. Pior ainda, ao assumir, ele mesmo, a autoria do holocausto e requerer os sacrifícios de comunhão, Saul afrontou a Deus, pois o sacerdote era o único autorizado a oferecer holocaustos. Ao desconsiderar a Lei de Moisés e cumprir o ritual do seu jeito, pra garantir os bons resultados da batalha, Saul olhou para as suas próprias forças e sabedoria, e desprezou a Deus, que é o autor dos dons. Ele estava dizendo o que queria, a vitória sobre os filisteus, e isso feito da sua forma, sem Deus, a qualquer custo. Ou seja, era a sua própria palavra que estava escrita em seu coração, e não a de Deus.

Por isso, Samuel disse, após o versículo 13:

"Mas agora seu reinado não permanecerá; o Senhor procurou um homem segundo o seu coração e o designou líder de seu povo, pois você não obedeceu ao mandamento do Senhor". (1 Sm 13: 14)

Que não passe despercebido o grau de importância destas palavras a você, meu caro leitor. O que Deus disse, por intermédio de Samuel, é que o interior do coração do homem é tão importante e relevante que, se este não fosse zeloso quanto à vontade de Deus, não estaria apto a guiar o povo de Israel, por mais que os seus resultados apresentados sejam excelentes. Tamanha é a relevância disso que o Senhor mostrou disposição de abalar a estabilidade política do momento, destituindo um rei estabelecido para levantar, em seu lugar, outro que possuísse um coração segundo o dEle. Ou seja, alguém disposto a guiar a nação segundo a Sua vontade. É neste contexto que o profeta afirma a Saul o célebre versículo catorze, pelo qual Saul ouviu a dura palavra de que o seu coração NÃO era segundo o coração de Deus.

A narrativa continua, e no capítulo 16, versículo 7 do mesmo livro, encontramos uma afirmação que Deus profere sobre o principal aspecto que aquele que seria ungido por Deus para governar Israel, no lugar de Saul, teria: um coração segundo coração de Deus.

Não se engane, amado leitor. Não havia nada de especial em Davi em si. Claro, ele possuía qualidades e virtudes, como todos nós, mas a sua qualidade que o destacava e tornou sua vida tão especial estava em seu coração, e neste, estava guardada a Sua Palavra, a qual produzia frutos de amor por Deus.