Como é a fé bíblica?

10/06/2023

Costumamos associar atos de fé como aqueles não baseados em fatos concretos. No cotidiano, usamos, por exemplo, essa expressão para nos referirmos a uma ação realizada que contraria o bom senso, ou que vai contra evidências claras proporcionadas por uma análise racional de fatos, situações ou até mesmo pela ciência.

Na esfera religiosa, podemos citar pessoas que abrem mão da segurança e do conforto proporcionado pelos bens materiais na tentativa de elevar o seu espírito, ou ainda aquelas que caminham sobre o fogo ou que se flagelam. A questão é: por que as pessoas tomam decisões infundadas, enquanto poderiam mensurar riscos e benefícios por trás de suas ações, para atingir os seus objetivos? O que leva essas pessoas a renunciarem o óbvio, saírem da esfera do seguro, para se precipitarem em "atos de fé" como esses? Sem dúvida, há uma motivação por trás disso, uma justificativa que pode ser muito específica para a pessoa em particular. A questão é: por quê?

Muitas pessoas esperam, com isso, obter favores do(s) deuse(s), concretizar conquistas, aprimorar a espiritualidade ou até mesmo adquirirem caráter divino, e muitas outras coisas; são várias as motivações plausíveis para os seus atos.

Na Bíblia, a fé é valorizada como uma virtude. O pai da fé, Abraão, chegou ao ponto de estar disposto a sacrificar o seu filho Isaque, o qual muito amava, para atender a uma solicitação de Deus. Ao lermos essa passagem, podemos rotulá-lo como louco, e eu não recrimino quem não estaria disposto a fazer o mesmo que ele. Agora, a questão que passa despercebida é que, por mais que este tenha sido um ato de fé, ele não foi um ato cego, tendo em vista que boa parte da narrativa sobre a vida de Abraão descrita pela Bíblia tem como pano de fundo uma relação real entre o patriarca e Deus. Vejamos como seu deu o início da relação entre eles, como descrito no livro de Gênesis:

Então o Senhor disse a Abrão: "Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. "Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem, e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados". Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor, e Ló foi com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã. Gn 12:1-4

A partir do primeiro voto de confiança em Deus, por meio da fé, Abrão abriu mão do conforto do seu lar, de todo o seu patrimônio e de sua rotina de vida e partiu em direção à Terra Prometida, onde Deus cumpriria grandes bênçãos, inclusive fazendo de Abrão o pai de uma grande nação, por meio de Sara, sua esposa estéril. Contudo, ao ser assolado pela fome, Abrão duvidou, e tentou dar "um jeito" para cumprir o plano de Deus, nos seus termos (falhos). Para que ele e Sara sobrevivessem, Abrão recomendou, no Egito, que Sara dissesse que é irmã de Abrão e não sua esposa, para evitar que fosse morto, e então, por ser bela e chamar a atenção de Faraó, este a inclui em seu harém, colocando em risco a promessa de descendência que havia sido feita. O que se vê, na sequência, é o agir sobrenatural de Deus para restabelecer as vidas, tanto de Abrão quanto de Sara, para fazer cumprir os seus propósitos imutáveis. Deus lançou sobre Faraó pragas e revelou que a origem do mal estava no fato de Sara ter sido incluída no seu harém. Por isso, Faraó a liberou, dando à família de Abrão condições materiais para que partissem, para que fossem sarados de suas enfermidades.

Houve fome naquela terra, e Abrão desceu ao Egito para ali viver algum tempo, pois a fome era rigorosa. Quando estava chegando ao Egito, disse a Sarai, sua mulher: "Bem sei que você é bonita. Quando os egípcios a virem, dirão: 'Esta é a mulher dele'. E me matarão, mas deixarão você viva. Diga que é minha irmã, para que me tratem bem por amor a você e minha vida seja poupada por sua causa". Quando Abrão chegou ao Egito, viram os egípcios que Sarai era uma mulher muito bonita. Vendo-a, os homens da corte do faraó a elogiaram diante do faraó, e ela foi levada ao seu palácio. Ele tratou bem a Abrão por causa dela, e Abrão recebeu ovelhas e bois, jumentos e jumentas, servos e servas, e camelos. Mas o Senhor puniu o faraó e sua corte com graves doenças, por causa de Sarai, mulher de Abrão. Por isso o faraó mandou chamar Abrão e disse: "O que você fez comigo? Por que não me falou que ela era sua mulher? Por que disse que ela era sua irmã? Foi por isso que eu a tomei para ser minha mulher. Aí está a sua mulher. Tome-a e vá! " A seguir o faraó deu ordens para que providenciassem o necessário para que Abrão partisse, com sua mulher e com tudo o que possuía. Gn 12:10-20.

Com o passar do tempo, o conhecimento, a intimidade e a confiança de Abrão em Deus foram aumentando, e Deus trabalhou ativamente para aprimorar sua fé:

Depois dessas coisas o Senhor falou a Abrão numa visão: "Não tenha medo, Abrão! Eu sou o seu escudo; grande será a sua recompensa! " Mas Abrão perguntou: "Ó Soberano Senhor, que me darás, se continuo sem filhos e o herdeiro do que possuo é Eliézer de Damasco? " E acrescentou: "Tu não me deste filho algum! Um servo da minha casa será o meu herdeiro! " Então o Senhor deu-lhe a seguinte resposta: "Seu herdeiro não será esse. Um filho gerado por você mesmo será o seu herdeiro". Levando-o para fora da tenda, disse-lhe: "Olhe para o céu e conte as estrelas, se é que pode contá-las". E prosseguiu: "Assim será a sua descendência". Abrão creu no Senhor, e isso lhe foi creditado como justiça. Gn 15: 1-6.

Neste momento, o Senhor Deus abençoou Abraão, capacitando-o a crer em Sua promessa independentemente das circunstâncias e dos recursos disponíveis para concretizá-la; Como um lapidário, Deus estava trabalhando em uma pedra bruta para transformá-la em uma joia; a fé humana de Abraão estava sendo transformada à vontade de Deus, para que fosse perfeita e autêntica. Por fim, o capítulo 21 do livro de Gênesis relata o cumprimento da promessa que Deus fez a Abrão no início de sua jornada, mostrando que toda a sua confiança em Deus não foi em vão.

O Senhor foi bondoso com Sara, como lhe dissera, e fez por ela o que prometera. Sara engravidou e deu um filho a Abraão em sua velhice, na época fixada por Deus em sua promessa. Abraão deu o nome de Isaque ao filho que Sara lhe dera. Gn 21: 1-3

As longas décadas de amizade entre Deus e Abraão o prepararam para a grande prova: em Gênesis, capítulo 22, Deus pede a Abraão que ofereça o seu próprio filho, o filho da promessa, em sacrifício, para provar o seu amor por Ele. Eu imagino, como pai, que ouvir um pedido desses de Deus não deva ser nada fácil, mas o próprio Deus, naquela altura, havia dado condições a Abraão para que ele cresse que todos os Seus desígnios de Deus eram corretos, e que Deus cumpriria a promessa feita a ele de ser o pai de uma grande nação, ainda que mediante o cumprimento da solicitação de Deus de oferecer o seu próprio filho Isaque em sacrifício, tornando a concretização da promessa de Deus a Abraão humanamente impossível:

Passado algum tempo, Deus pôs Abraão à prova, dizendo-lhe: "Abraão! " Ele respondeu: "Eis-me aqui". Então disse Deus: "Tome seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali como holocausto num dos montes que lhe indicarei". Na manhã seguinte, Abraão levantou-se e preparou o seu jumento. Levou consigo dois de seus servos e Isaque seu filho. Depois de cortar lenha para o holocausto, partiu em direção ao lugar que Deus lhe havia indicado. No terceiro dia de viagem, Abraão olhou e viu o lugar ao longe. Disse ele a seus servos: "Fiquem aqui com o jumento enquanto eu e o rapaz vamos até lá. Depois de adorarmos, voltaremos". Abraão pegou a lenha para o holocausto e a colocou nos ombros de seu filho Isaque, e ele mesmo levou as brasas para o fogo, e a faca. E caminhando os dois juntos, Isaque disse a seu pai Abraão: "Meu pai! " "Sim, meu filho", respondeu Abraão. Isaque perguntou: "As brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holocausto? " Respondeu Abraão: "Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho". E os dois continuaram a caminhar juntos. Quando chegaram ao lugar que Deus lhe havia indicado, Abraão construiu um altar e sobre ele arrumou a lenha. Amarrou seu filho Isaque e o colocou sobre o altar, em cima da lenha. Então estendeu a mão e pegou a faca para sacrificar seu filho. Mas o Anjo do Senhor o chamou do céu: "Abraão! Abraão! " "Eis-me aqui", respondeu ele. "Não toque no rapaz", disse o Anjo. "Não lhe faça nada. Agora sei que você teme a Deus, porque não me negou seu filho, o seu único filho. " Abraão ergueu os olhos e viu um carneiro preso pelos chifres num arbusto. Foi lá, pegou-o e sacrificou-o como holocausto em lugar de seu filho. Abraão deu àquele lugar o nome de "O Senhor proverá". Por isso até hoje se diz: "No monte do Senhor se proverá". Pela segunda vez o Anjo do Senhor chamou do céu a Abraão e disse: "Juro por mim mesmo", declara o Senhor, "que por ter feito o que fez, não me negando seu filho, o seu único filho, esteja certo de que o abençoarei e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua descendência conquistará as cidades dos que lhe forem inimigos e, por meio dela, todos povos da terra serão abençoados, porque você me obedeceu". Gn, 22: 1-18.

Com pode-se notar, a fé de Abraão era sólida e fundamentada em uma relação real e transparente entre Abraão e Deus, a qual o capacitou a cumprir todas as etapas de sua jornada e lhe deu condições de ser bem sucedido em todas as solicitações que lhe foram feitas. Após lermos esta breve narrativa, eu gostaria de concluir que, na Bíblia, a fé nunca foi um ato infundado, mas sempre baseado numa relação entre homens e Deus. Além disso, considero importante dizer que, assim como Deus fez a Abraão, Ele tem planos grandiosos para cumprir na sua e na minha vida, e ainda que o seu agir não dependa de nossas ações, Ele aguarda que nós nos acheguemos a Ele e também tenhamos uma relação de intimidade igual a que tinha com Abraão, para que Ele plante, nutra e desenvolva a mesma fé de Abraão em nossos corações.